Marcelo Gleiser – Não existe incompatibilidade entre ciência e vida espiritual

O brasileiro Marcelo Gleiser é professor de Física e Astronomia e pesquisador da Dartmouth College, em Hanover, Estados Unidos, há 28 anos.

Entrevistas

No currículo, coleciona diversos prêmios e, em março deste ano, tornou-se o primeiro latino-americano a ser contemplado com o Prêmio Templeton, concedido a personalidades que afirmam a dimensão espiritual da vida – criado em 1972 e considerado o “Nobel da espiritualidade” e que já premiou personalidades como Madre Teresa e Dalai Lama. Em entrevisa à Revista da APM, conta esperar que o reconhecimento incentive “jovens a entrar para as àreas das Ciências, especialmente os brasileiros, que têm uma espiritualidade maioe.” O físico e astrônomo ainda defende maior investimento em estudos científicos, conexões entre empresas privadas e pesquisadores nas universidades. Confira!

REVISTA DA APM: Como surgiu seu interesse por Física e Astronomia? 

MARCELO GLEISER: Sempre tive uma curiosidade muito grande pelo que chamo de mistérios do universo: Como surgiu tudo? E a vida, de onde veio? Estamos sozinhos no universo? Quando era ainda adolescente, em torno dos 13 anos, descobri que muitas dessas questões fazem parte da Ciência moderna. E foi assim que começou essa minha exploração do cosmo por meio da Física e da Astronomia. 

No Brasil, a seu ver, o campo da Ciência avançou nos últimos anos? De que maneira?

Sem dúvida, apesar dos atravancos – todos devido à total falta de planejamento de longo prazo de como sustentar uma comunidade científica num País da dimensão do Brasil -, temos descobertas importantes em vários campos, desde as Neurociências e Agronomia à Física mais básica e Astronomia. O que falta não é talento, mas recursos consistentes com os nossos cientistas. A internet ajuda muito, com a facilidade que hoje temos de obter informações sobre as últimas publicações e descobertas. Mas laboratórios precisam de recursos locais para serem competitivos. E isso dificulta a pesquisa no País. 

Ainda sobre o nosso País, quais foram os investimentos feitos até o momento na área? E o que deve ser melhorado? 

Primeiro, precisamos de estabilidade no financiamento. Ninguém pode viver em um clima terrorista em que corte são ameaçados a todo momento. Como planejar um projeto de longo prazo sem saber se terá dinheiro para comprar equipamentos e pagar seus alunos? Impossível. Segundo, deve haver mais conexões entre empresas privadas e pesquisadores nas universidades. Isso é essencial nos Estados Unidos e na Europa e deve ser também no Brasil. Mas, para isso, são necessários incentivos fiscais, que são praticamente inexistentes na pesquisa científica daqui. Precisamos de uma “Lei Rouanet” para a Ciência. Terceiro, o orçamento para a pesquisa básica tem de ser aumentado. O Brasil continua tendo mentalidade de colônia, de país de extração e não de criação de tecnologias de ponta. Quais marcas de produtos digitais são, hoje, feitas no Brasil por empresas brasileiras?

Como avalia a conquista do Prêmio Templeton, para o Brasil e a América Latina de maneira geral?

Espero de coração que este prêmio demonstre para as pessoas, especialmente os jovens, que quando se sonha e se trabalha duro para transformar esse sonho em realidade, não importa de onde você vem ou que iniversidade cursou, e sim sua energia e disposição para o trabalho. Espero, também, que venha a inspirar mais jovens a entrarem para as àreas de Ciências, especialmente os brasileiros, que têm uma espiritualidade maior. Não existe incompatibilidade entre a Ciência e uma vida espiritual. 

Quais considera as principais contribuições na Física e na Astronomia atualmente?

A pesquisa em computação quântica está explodindo, assim como a nanotecnologia em várias aplicações que incluem a Medicina e a busca por partículas estranhas conhecidas como matéria escura, que são, em princípio, cinco vezes mais abundantes no universo do que a matéria na qual somos feitos.

Considera-se uma referência para os atuais e os próximos pesquisadores brasileiros? 

Não sei se sou uma referência, mas espero que meu trabalho continue a inspirar milhares de jovens a se interessar por ciência. Se isso ocorre, meu trabalho está justificado. 

Apesar de se apresentar como agnóstico, como relaciona Ciência e espiritualidade?

Minha visão de mundo é o que poderíamos chamar de materialismo espiritual. Vejo a Natureza sem a presença de alguma entidade ou etnidades sobrenaturais. Por outro lado, vejo o homem perante a grandiosidade do universo com muita humildade e um senso de conexão que só posso chamar de espiritual. O que me tira o sono são os abusos perpetrados tanto por extremistas religiosos como por extremistas ateus, que não veem a importância da fé na vida das pessoas, mesmo se têm fé no não-acreditar, o que é uma contradição.