Cine Debate discute o filme Dersu Uzala na edição de novembro

Na última sexta-feira (25), a Associação Paulista de Medicina promoveu mais uma edição do seu tradicional Cine Debate

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Na última sexta-feira (25), a Associação Paulista de Medicina promoveu mais uma edição do seu tradicional Cine Debate. O filme escolhido para a ocasião foi “Dersu Uzala”, abordando o tema “Fazer o bem não interessa a quem”. Como de costume, o evento teve moderação de Wimer Bottura, psiquiatra, psicoterapeuta e coordenador do Cine Debate desde 1997. Os debatedores convidados foram a psicóloga e psicanalista Marina Miranda e o jornalista José Francisco Botelho.

Com direção do renomado cineasta japonês Akira Kurosawa, o longa traz a história do capitão Vladimir Arseniev que, juntamente com uma pequena tropa, é enviado pelo governo russo para explorar e reconhecer as montanhas da Mongólia. Em meio à expedição, eles encontram Dersu Uzala, um caçador que vive nas florestas. Ao perceber que Dersu conhece bem o local, ele é convidado para acompanhar a tropa até o término da missão, o que marca o início de uma grande amizade entre ele e o capitão.

Os rastros de Kurosawa

Dando início ao debate, Marina Miranda destacou que “nós vamos sonhar o sonho de Akira Kurosawa”, porque o longa é baseado em uma história real, contada no livro de memórias do capitão russo Vladimir Arsenyev. O livro, lançado em 1923, traz a história de duas expedições que foram realizadas pelo exército russo.

De acordo com a debatedora, a primeira cena é importante para a compreensão da obra. É ali, afirma, que o diretor deixa pequenos rastros do que está querendo mostrar. O momento em questão se passa em 1910, quando o capitão volta ao local no qual Dersu foi enterrado três anos antes, em busca de sua sepultura.

Nessa primeira cena, a psicanalista complementa que ficam evidentes as duplicidades que vão aparecer no filme: “A questão da morte e vida, sempre acompanhadas do cenário e da fotografia. Os galhos secos e as árvores cortadas do início voltam muito, em geral, quando a história mostra alguma destrutividade. Na hora das construções, quando vemos a vida, as árvores estão florescendo, o cenário é colorido, e isso percorre praticamente o filme todo”.

Ela ainda afirma que essa dualidade é também percebida no choque cultural que marca a relação entre o capitão e Dersu. “O pelotão, que vem do Czar russo, com os oficiais devidamente uniformizados, com bússolas e tripés de cartografia e topografia, em contraste com Dersu, um caçador solitário, nômade.” Esse contraste de culturas tão diferentes evidencia a colaboração entre eles, o que um pode fazer pelo outro.

Na visão da debatedora, o longa revela diversos rastros do que está acontecendo no mundo, tanto no contexto político e social da época do filme, quanto em questões pessoais do próprio diretor. “Quando o Dersu fala da fome, fadiga e frio, ele está falando da pobreza, da fome do povo japonês, do povo russo.”

Em outras palavras, os rastros que Marina Miranda enfatiza revelam a pergunta “O que Kurosawa está querendo nos contar?”. O filme, por exemplo, foi dirigido em um momento de dificuldade financeira e logo após uma tentativa de suicídio do diretor. Para a psicóloga, por falar muito em gratidão, também é um agradecimento ao governo russo, que financiou a gravação.

Épico

Dando seguimento às apresentações, José Francisco Botelho enalteceu a carreira de Kurosawa e a relação de Dersu Uzala com seus outros filmes. De acordo com ele, antes de Kurosawa, o cinema japonês era praticamente desconhecido no Ocidente. Apenas em 1950, quando o filme Rashomon ganha o Leão de Ouro do Festival de Veneza, o cinema japonês passa a ser conhecido fora do país.

A partir daí, “Kurosawa virou uma celebridade mundial, se tornou o cineasta favorito de muitos outros diretores”, afirma. Curiosamente, no Japão ele não era tão admirado, principalmente porque o consideravam “pouco japonês”, pois sua maior influência era o diretor norte-americano John Ford.

Para Botelho, esse fato se revela interessante porque Dersu Uzala “é, de certa maneira, um reencontro de Kurosawa com suas origens, no faroeste americano com o cinema de John Ford”. Elementos clássicos de John Ford, como a contraposição da figura humano com grandes paisagens naturais, estão também presentes na obra do diretor japonês.

Ainda conforme o debatedor, Dersu Uzala é um filme épico: “Não estou falando de grandes feitos, não estou me referindo a um filme sobre guerras, conquistas e descobertas de continentes. Estou falando sobre um sentimento específico, aquele que Kant chamava de sublime. O épico é aquele tipo de narrativa que coloca o ser humano diante de uma grandeza ameaçadora”. Em outras palavras, esse sentimento se expressa na relação entre a natureza e o ser humano.

Em diversos filmes do diretor, esse sentimento se expressa. Em Yojimbo (1961), por exemplo, um forte vento empoeirado aparece nas cenas mais dramáticas. Esse vento, afirma o jornalista, “tem um significado de consumação de um destino. É um elemento natural contraposto ao ser humano”. Já em Os Sete Samurais (1954), um vento muito forte e seco perpassa todo o filme, mas, na medida em que o momento da batalha final se aproxima, o vento cessa completamente.

Considerações

Ao final, o coordenador do Cine Debate disse que Dersu Uzala é um filme que “fala de valor, de lealdade, de justiça, de pensamento coletivo”, motivo pelo qual o tema “fazer bem não interessa a quem” foi escolhido para o debate. Ainda, a sabedoria dos homens simples e o viver e sofrer: “O Dersu passa por todo tipo de situação, enfrenta dificuldade, mas não tem sofrimento”. O sofrimento surge quando, ao final do filme, Dersu supostamente mata o tigre que os acompanhava. “É ali que ele perde um sistema de equilíbrio que tinha.”

Outro aspecto destacado por Bottura é a questão da sensibilidade e da razão. O Dersu representa a sensibilidade, “ele tem uma cultura própria de sua vida na floresta, que lhe traz informações que os outros não conseguem perceber”, e o capitão representa a razão, a lógica, o estudo e a metodologia. Em resumo, para o coordenador, “é um filme que valoriza a lealdade, o valor, a honra, a sensibilidade e a relação do homem com a natureza”.

Fotos: Reprodução Cine Debate APM