Formado pela Faculdade de Medicina da Fundação Universitária do ABC, com mestrado e doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias, ambos pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, David Everson Uip é diretor da Faculdade de Medicina do ABC. Ex-secretário estadual de Saúde de São Paulo, é considerado um dos maiores especialistas em doenças infecciosas do Brasil.
Atuante há 43 anos na Medicina, afirma que os maiores desafios enfrentados no SUS estão relacionados ao financiamento, à gestão e à otimização dos recursos. Para controlar os gastos desnecessários da área, é a favor de uma fiscalização eficiente. Renovação do sistema público, melhorias nas carreiras profissionais, parcerias público-privadas e controle dos processos jurídicos foram outros assuntos abordados. Confira a entrevista a seguir.
Como os médicos podem ajudar a otimizar os recursos da Saúde?
O médico é um elo fundamental para a otimização dos recursos e vital para a resolução dos grandes problemas da Saúde. Costumo dizer que, primeiro, temos o problema de financiamento; segundo, a qualidade de gestão. Afirmo também que hoje todos os profissionais necessitam de conhecimento em gestão, seja para montar ou administrar um consultório particular ou para conduzir a sua formação técnica. Em terceiro lugar, temos a questão dos recursos como outro desafio. A Organização Mundial da Saúde aponta que o desperdício ativo ou passivo representa de 20% a 40% dos recursos. Infelizmente, muitos de nós ainda não percebemos a importância de se fazer saúde com qualidade e investimentos adequados, e precisamos entender que qualquer procedimento gera custos. Como médico atuante há 43 anos, reitero que somos essenciais na formação dessa cadeia de desenvolvimento, no sentido de evoluir e modernizar a área.
Pode citar exemplos de sucesso de uso racional?
Na minha área, de Infectologia, a prescrição inadequada de antibióticos talvez seja um exemplo negativo do que não se deve fazer. O uso inadequado e ineficaz de antimicrobianos cria dois problemas: o custo e as múltiplas resistências de fungos e bactérias, acarretando rapidamente em um elevado índice de mortes, em comparação a outras diversas causas de óbito. No entanto, as novas regras para prescrição e venda de antibióticos em farmácias e drogarias, amparadas pela resolução RDC 44/2010, contribuíram de forma significativa para a racionalidade de recursos. Mais uma vez, afirmo que o médico é parte fundamental para redução do custo e eficiência.
Em termos de políticas públicas, o que é preciso fazer para controlar gastos desnecessários na Saúde?
Além da conscientização, necessitamos de uma fiscalização eficiente. É fundamental que você aprimore o sistema de fiscalização e acreditação. Por outro lado, presenciamos atualmente um aumento importante no número de faculdades particulares de Medicina, sem docentes qualificados e espaço para o estágio obrigatório. Em breve, teremos mais de 500 mil médicos no Brasil. Entendo que da mesma forma que se dá a ampliação de escolas, a qualificação é essencial. Recomendo aos colegas médicos que defendam as boas instituições e sejam contra a abertura indiscriminada de escolas de Medicina de baixa qualidade.
A reformulação do Sistema Único de Saúde é outro ponto defendido pelo senhor. Como seria?
O SUS é um grande avanço. Com a mesma coragem daqueles que o criaram, a nossa geração precisa ter coragem para inová-lo, priorizando a qualidade do bem-estar total do paciente, incentivando a Carreira de Estado com salários dignos, se posicionando não contra avinda de médicos estrangeiros, mas daqueles que não possuem a revalidação do diploma. Há várias situações em que podemos ajudar a recriar o Sistema Único de Saúde, referência de maior assistência de inclusão deste País.
Sobre a gestão do sistema, quais devem ser as prioridades?
Cinquenta e cinco porcento dos hospitais do Brasil têm menos de 50 leitos e são ineficientes, mas você não pode fechar os hospitais, e sim readequar as referências e contrarreferências; isso é logística, é gestão. Quando notamos que muitas vezes o privado faz melhor do que o público, como por exemplo, em questões tecnológicas, temos de incentivar as parcerias público-privadas.
Como deve ser essa relação, na sua opinião?
Defendo a gestão por organização social. O estado de São Paulo provou em economicidade e efetividade melhor entrada e saída de hospitais, diminuição de custos e aproveitamento do uso de equipamentos de Saúde. Por isso, sou absolutamente a favor da gestão via organização social, sem criticar a administração direta. Depois, a parceria público-privada, tanto para a produção de equipamentos quanto para a qualificação de recursos humanos, além das parcerias para o desenvolvimento produtivo (PDPs), nacionais e internacionais, que aperfeiçoam e trazem modernidade tecnológica.
Judicialização contribui para aumentar os gastos na Saúde. Como os governos e operadoras podem atuar para reduzir ou resolver a questão?
Já aprendemos a resolver a questão. No estado de São Paulo, fizemos um sistema de informação em que o gestor conhece quem judicializa, como judicializa e se judicializa. Um dado muito interessante: a grande maioria dos processos é oriunda de causas individuais, da iniciativa privada e de hospitais particulares. Isso significa dizer que, quem processa, pode pagar por um advogado. Para confirmar, a defensoria pública tem pouca atuação processual. Em termos comparativos sobre a nossa atuação, a Judicialização custou para os cofres federais R$ 7 bilhões, no ano passado. No estado de São Paulo, R$ 800 milhões, em virtude da adoção do sistema de informação mais adequado. Apesar disso, precisamos também oferecer ao juiz melhor solução técnica, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entendemos que o magistrado tem uma participação muitas vezes difícil, por não ter o domínio técnico com precisão sobre os casos abordados; então, precisamos favorecer o juiz para a melhor decisão. Em linhas gerais, o gestor público precisa fazer escolhas em que o interesse do coletivo deve prevalecer sempre sobre o individual. Às vezes, aquilo que é ideal para o paciente não é para a sociedade.
Entrevista publicada na Revista da APM – edição 704 – outubro 2018