Formado em Medicina pela Universidade de São Paulo, com doutorado em Cardiopneumologia pela mesma instituição, possui uma trajetória profissional, sobretudo, em geriatra e gerontologia do aparelho locomotor. Em 2 de março deste ano, o especialista foi nomeado superintendente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Em meio aos desafios de recuperação administrativa e econômica do HU, ele destaca os serviços prestados à comunidade da USP e do Butantã, sendo uma instituição referência em ensino por possuir uma estrutura de atenção de média complexidade. Confira a entrevista a seguir.
De acordo com a Reitoria da USP, sua contratação resulta no compromisso de definir estratégias que garantam a perenidade do HU. Como analisa isso?
A minha designação para a superintendência do Hospital Universitário da USP vem na linha da percepção do significado que o HU tem para a universidade. Como estrutura de ensino, recebe mais de 2 mil alunos por ano, em mais de 50 disciplinas de seis unidades da Universidade de São Paulo; como estrutura de pesquisa, é a sede de alguns dos mais importantes estudos epidemiológicos em nosso meio; e, no tocante à assistência, responde pela atenção à comunidade dos servidores, alunos e docentes da USP e de seus dependentes, bem como pela atenção em nível secundário à comunidade da região do Butantã, através de contrato com o SUS. Dessa maneira, a reitoria e a superintendência têm presente a importância da luta para que o HU permaneça integralmente ligado à Universidade de São Paulo.
REFERÊNCIA Garcez destaca os serviços prestados à comunidade da USP e do Butantã por meio do hospital
Com formação focada na geriatria, como agregará esse conhecimento em sua administração?
Geriatras, pela própria formação, são treinados para trabalhar em equipe, funcionando como administradores de múltiplas e integradas ações de Saúde, muitas vezes. Creio que esse tipo de formação pode ser muito útil no apoio ao desenvolvimento de ações integradas de Saúde que, a meu ver, é a vocação do HU, permitindo que a interprofissionalidade permeie a formação de alunos da graduação, especialização e pós-graduação, inclusive para a elaboração de projetos de pesquisa. Assim, teremos uma assistência mais efetiva e humanizada à população beneficiária do hospital.
“Como estrutura de ensino, o HU recebe mais de 2 mil alunos por ano, em mais de 50 disciplinas de seis unidades da Universidade de São Paulo”
Quais os maiores desafios enfrentados pelo hospital-escola hoje?
O HU passa, no momento, por uma crise que é essencialmente de recursos humanos. O quadro de funcionários sofre com lacunas que dificultam atividades como a assistência de urgências em Pediatria ou em Clínica, o adequado funcionamento do centro cirúrgico pela diminuição do quadro de anestesistas ou o pleno funcionamento dos leitos disponíveis por falta de pessoal, particularmente técnicos de enfermagem. A par da ausência atual desses quadros, algumas unidades, como a Cirurgia, têm uma alta média de idade de seus participantes, que faz prever a médio prazo a perda de funcionários por aposentadoria.
O senhor afirma que montará uma comissão para propor soluções para a crise do HU. Como esse grupo será composto?
Desde o início da atual administração, foi feita uma solicitação ao Proahsa (Programa de Estudos Avançados em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde), que é um convênio entre o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e a Fundação Getúlio Vargas, para uma avaliação situacional e a proposição de alternativas. Essa avaliação já vem sendo feita e, em algumas semanas, teremos os primeiros resultados, que permitirão às autoridades da Universidade de São Paulo assenhorarem- se de informações atualizadas, permitindo decisões estratégicas.
Com a crise financeira e institucional, a unidade chegou a restringir o acesso aos prontos-socorros adulto e infantil. Qual a iniciativa aplicada para reverter esse quadro?
Devido às limitações de pessoal, a partir de dezembro os prontos-socorros de Pediatria e de Clínica passaram a ser referenciados, num modelo semelhante ao pronto-socorro do HC. Atualmente, prevê-se que os de Cirurgia e de Ortopedia também venham a sê-lo. Este referenciamento prevê não o fechamento do pronto socorro, mas uma adequação à dinâmica escalonada da atenção do SUS, com o acesso da comunidade à atenção primária através das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) ou, em caso de urgência, das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Caso essas unidades considerem necessário o apoio hospitalar, é previsto o encaminhamento a hospitais secundários (que é o caso do HU) ou terciários, por exemplo o Hospital das Clínicas.
“As limitações atuais que a administração da USP tem para a contratação de servidores não docentes certamente representam um grande obstáculo”
Quais são as iniciativas tomadas para a contratação de médicos e outros profissionais de Saúde para a unidade?
As limitações atuais que a administração da USP tem para a contratação de servidores não docentes certamente representam um grande obstáculo. No entanto, mesmo se fossem superadas, exigiriam uma revisão no tipo de carreira para profissionais de Saúde, cujo enquadramento puro e simples na categoria de “servidores técnicos de nível superior” já se mostrou inadequado e responde por boa parte das origens remotas da crise de pessoal que o HU atravessa. A possibilidade da contratação de emergência de profissionais por tempo determinado, já existente em outras experiências da própria Universidade, poderia dar algum alívio temporário, mas não representa uma solução definitiva. Creio que a USP precisará rever sua política de recursos humanos no tocante ao pessoal técnico de Saúde para que o HU possa vir a ter uma solução em médio/longo prazo.
Em meio a esses esforços de recuperação administrativo-financeira, quais os avanços ao longo destes 36 anos de história do HU?
O HU teve sua construção autorizada pelo então governado Abreu Sodré em janeiro de 1970, tendo ficado pronto em março de 1976. Sua entrega efetiva deu-se em 1981, com a primeira internação de uma criança. Desde então, vem prestando serviços continuados tanto à comunidade da USP quanto à do Butantã. Serve de exemplo os mais de 147 mil atendimentos de pronto-socorro em 2017. Uma das maiores contribuições que o HU pode oferecer aos alunos da USP é a vivência concreta da interprofissionalidade na atenção à Saúde. Tal experiência é essencial na formação dos diversos profissionais de Saúde e o HU é, com certeza, o âmbito ideal para este treinamento e formação. Por outro lado, o fato de ser uma estrutura de atenção de média complexidade permite aos alunos ter uma vivência de Saúde que não é fácil de se obter em hospitais terciários. A satisfação dos estudantes com esse tipo de estágio manifesta-se no alto conceito que as disciplinas oferecidas no HU atingem na avaliação deles, bem como das frequentes homenagens que os formandos fazem aos profissionais deste hospital.
Luiz Eugênio Garcez Leme
FORMAÇÃO Universidade de São Paulo (1976)
ESPECIALIDADE Geriatria e gerontologia do aparelho locomotor
ATUAÇÃO Professor livre-docente e professor associado dos Departamentos de Ortopedia e Traumatologia e de Clínica Médica (Disciplina de Geriatria) da FMUSP. Bolsista de Produtividade do CNPq
Entrevista publicada na Revista da APM – edição 699 – maio 2018
Fotos: BBustos Fotografia