Câncer: presença de fungos e bactérias pode ajudar a identificar a doença

Procure por uma imagem de tumor no Google e provavelmente encontrará um aglomerado de células cancerígenas de cores vivas em um fundo monótono de tecido saudável.

O que diz a mídia

Procure por uma imagem de tumor no Google e provavelmente encontrará um aglomerado de células cancerígenas de cores vivas em um fundo monótono de tecido saudável. Mas para Lian Narunsky Haziza, bióloga de câncer do Weizmann Institute of Science, em Israel, as fotos parecem muito diferente da realidade. Um tumor pode conter milhões de micróbios, o que representa dezenas de espécies.

— Acho que isso é um ecossistema. Isso significa que as células cancerosas não estão sozinhas — disse.

Os cientistas sabem, há muito tempo, que nossos corpos abrigam micróbios, mas tendem a tratar os tumores como se fossem estéreis. No entanto, nos últimos anos pesquisadores deixaram essa noção de lado ao comprovar que os tumores estão repletos desses organismos.

Em 2020, várias equipes de pesquisa mostraram que os tumores abrigam misturas de bactérias. Na quinta-feira, dois estudos publicados na revista Cell descobriram que eles também alojam espécies de fungos.

O chamado microbioma tumoral está se mostrando tão distinto em cada tipo de câncer, que alguns cientistas esperam encontrar sinais precoces de tumores ocultos através do DNA de micróbios no sangue. Algumas pesquisas sugerem que os micróbios podem tornar tumores mais agressivos ou resistentes aos tratamentos. Se isso se confirmar, pode ser possível combater o câncer atacando o microbioma de um tumor junto com ele próprio.

— Precisamos reavaliar quase tudo o que sabemos sobre câncer através das lentes do microbioma tumoral — afirmou Ravid Straussman, biólogo de câncer da Weizmann que colaborou com Narunsky Haziza em um dos novos estudos.

Nas últimas duas décadas, os cientistas mapearam micróbios no corpo humano pescando seu DNA em esfregaços de boca, raspados de pele e fezes. Essas pesquisas identificaram milhares de espécies vivendo em uma pessoa saudável, totalizando cerca de 38 trilhões de células. Muitos órgãos antes considerados estéreis acabaram tendo seus próprios microbiomas.

Enquanto os pesquisadores exploraram o microbioma saudável, o câncer permaneceu uma incógnita. Ninguém sabia se os milhões de células que os compõem forneciam outro habitat onde os micróbios poderiam viver.

Em 2017, Straussman e outros estudiosos encontraram bactérias que vivem dentro de tumores pancreáticos. Eles fizeram a descoberta enquanto tentavam encontrar o porquê de alguns tumores resistirem a medicamentos quimioterápicos. Descobriu-se que uma espécie de bactéria que poderia bloquear a droga estava vivendo dentro deles.

Essa descoberta levou o Straussman e equipe a fazerem uma pesquisa em larga escala de bactérias em mais de 1.000 tumores de sete tipos de câncer. Em 2020, eles relataram encontrar bactérias à espreita em todos.

Na mesma época, uma equipe de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, realizou uma própria pesquisa usando um banco de dados de DNA coletado de diferentes tipos de câncer, no início dos anos 2000.

O projeto, chamado Atlas do Genoma do Câncer, pretendia ajudar cientistas a encontrar mutações em genes tumorais que fazem as células cancerígenas crescerem descontroladamente. A equipe reconheceu que os dados brutos também podem conter DNA de bactérias nos tumores.

Infelizmente, isso significava peneirar os seis trilhões de fragmentos genéticos no atlas em busca de fragmentos de DNA bacteriano.

— É como tentar encontrar agulhas em um palheiro, quando há mais canudos de feno do que estrelas na Via Láctea — disse Gregory Sepich-Poore, membro da equipe.

A busca levou anos, mas valeu a pena. Sepich-Poore junto do grupo descobriu que uma pequena porcentagem dos fragmentos de DNA em 32 tipos de câncer pertencia a bactérias, não a humanos.

Depois que os pesquisadores publicaram o estudo em 2020, eles uniram forças com a equipe de Straussman para ver se os tumores também continham fungos.

Os fungos são uma das grandes histórias de sucesso da história da evolução, com uma estimativa de 6,2 milhões de espécies. Eles incluem os cogumelos que crescem nas florestas, as leveduras que fermentam o pão e a cerveja e o mofo que nos trouxe a penicilina.

Entre as características que todos os fungos compartilham é a maneira como eles se alimentam. Eles esguicham enzimas para quebrar o material orgânico próximo e depois o absorvem. Os fungos também são capazes de produzir um grande número de esporos, que podem sobreviver em todos os tipos de condições extremas por anos.

Estamos constantemente expostos a fungos, seja pegando esporos em nossa pele ou comendo alimentos nos quais os fungos estão pegando carona. A maioria deles não vai residir em nossos corpos.

— Muita coisa está apenas de passagem — disse Iliyan Iliev, imunologista da Weill Cornell Medicine, em Nova York.

Mas algumas espécies se adaptaram para viver dentro de nós. Os fungos da pele quebram os óleos que produzimos. Outros se alimentam dos açúcares em nossas bocas e tratos digestivos. Os cientistas também encontraram outros fungos em nossos corpos cujas vidas permanecem um mistério.

— Nós realmente não sabemos muito — falou Iliev.

Os pesquisadores de San Diego e Weizmann procuraram fungos em tumores da mesma maneira que procuraram bactérias, mergulhando de volta na galáxia de fragmentos de DNA no Atlas do Genoma do Câncer. Só que desta vez, eles procuraram genes fúngicos. Eles também inspecionaram a coleção de tumores de Straussman.

Todos os tipos de tumores que os cientistas examinaram — de 35 tipos diferentes de câncer — continham fungos e cada um tinha uma combinação distinta de espécies de fungos, como relataram em um dos estudos.

No outro novo relatório, Iliev e seus colegas Dr. Iliev e seus colegas encontraram fungos em tumores de sete partes do corpo, de forma independente: boca, esôfago, estômago, cólon, reto, mamas e pulmões.

Deepak Saxena, ecologista microbiano da Universidade de Nova York que não esteve envolvido em nenhum dos estudos, ficou surpreso com a escala das descobertas.

— Eu não esperava essa quantidade de fungos no câncer. Isso mudará a maneira como pensamos sobre isso — disse.

Sepich-Poore e alguns de seus colegas em San Diego fundaram uma empresa chamada Micronoma para transformar suas pesquisas em um exame de sangue para câncer. Ao olhar para o DNA derramado por fungos e bactérias em um tumor, eles dizem que podem prever com precisão de que tipo de câncer os micróbios vieram.

Eles não sabem porque o teste funciona. A geografia pode ser parte da resposta: um tumor pulmonar tenderá a atrair micróbios que já estão no pulmão. No entanto, alguns micróbios conseguem se mover para novos órgãos para entrar nos tumores. É possível que a química específica dentro de um tumor, como o nível de oxigênio, ajude a determinar quais micróbios irão prosperar lá.

Ambos os novos estudos encontraram micróbios que pareciam estar associados a piores resultados do câncer. Por exemplo, Iliev e seus colegas descobriram que as pessoas eram mais propensas a morrer de câncer de estômago se seus tumores contivessem uma espécie de fungo chamada Candida tropicalis.

É possível que alguns micróbios não apenas residam em tumores, mas os ajudem a crescer. Eles podem ocultar o tumor do sistema imunológico, neutralizar drogas ou ajudar os tumores a se espalharem pelo corpo.

Jessica Galloway-Peña, microbiologista da Texas A&M University que não esteve envolvida nos novos estudos, advertiu que esta pesquisa por si só não poderia estabelecer se um micróbio tinha tal efeito. Os cientistas precisarão realizar experimentos com células cancerígenas em um prato ou em animais.

— OK, está associado a um tipo específico de tumor, mas isso significa apenas que está vivendo muito bem com o tumor ou está realmente fazendo com que o tumor aumente e progrida? — Galloway-Peña perguntou — Você simplesmente não sabe neste momento.

Fonte: O Globo Online