Maria Inês Dolci – Coberturas complexas ficarão todas para o SUS

Para a representante da Proteste e da OAB-SP, esta modalidade de serviço irá favorecer as operadoras e restringir o direito à assistência

Entrevistas

Maria Inês Dolci é vice-presidente do conselho diretor da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. A entidade vem participando, desde o ano passado, do debate público sobre as propostas de reformas na saúde suplementar, discutidas pelo Congresso Nacional. Confira abaixo as opiniões da advogada, que também é membro da Comissão de Estudos de Planos de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, sobre as perspectivas da saúde suplementar.

BALANÇO DO SETOR
A Lei 9.656/98 foi um dos momentos mais importantes que tivemos, na atuação enquanto defensores do consumidor. É lógico que temos problemas – que não são exclusivamente do brasileiro. Países como a Inglaterra também enfrentam questões como elevação de custos e maior longevidade da população. É um desafio. O papel das entidades públicas e privadas de direito do consumidor, portanto, vai além de apontar falhas de operadoras ou cobrar verbas para assistência à saúde. Hoje, sabemos que há doenças intensificadas ou causadas por tabagismo, acidentes
e alcoolismo que pesam muito no orçamento. Se não fizermos combate a isso, de maneira eficiente e rigorosa, não teremos mais recursos disponíveis.

PACOTE DE MUDANÇAS
Existem alterações que precisam ser discutidas. O que mais interessa aqui é a questão dos planos acessíveis. Achamos que a mudança da lei para a inserção deles é uma propaganda enganosa. A redução da cobertura do plano, restringindo o atendimento, é um problema grave. As pessoas vão comprar planos que não são baratos, mas que também não irão atender o que elas e seus familiares precisam. Existe ainda a questão da rede credenciada. O consumidor que não morar perto da rede ficará sem atendimento. É um tema muito sensível. Quando o debate – atualmente parado na Câmara – retornar, precisamos que além das empresas, estejam lá consumidores e demais entidades. Estamos vendo muitas propostas polêmicas, além dessas. Por exemplo, a permissão de reajustes de mensalidade para idosos.

IMPACTO NO SUS
O grande problema é, novamente, que os planos populares não darão conta das coberturas além das questões mais básicas. Com o consumidor sem acesso, ele irá retornar ao Sistema Único de Saúde (SUS), que será onerado. Esses planos irão restringir a cobertura, excluindo os procedimentos mais caros e complexos, e sobrecarregarão o SUS. A primeira justificativa para que existissem, dada pelo ministro da Saúde, era que diminuiriam as despesas públicas. Na verdade, é o contrário. 

ÉTICA MÉDICA
O médico será muito prejudicado. Eles terão problemas éticos atuando em planos restritos. Se o usuário precisar de um procedimento de alta complexidade, não irá conseguir via operadora. O profissional, portanto, não terá o que fazer e não poderá
acompanhar o tratamento de seu paciente. Quando perceber que o cidadão possui uma doença grave, o médico saberá que não pode resolver a situação. Por outro lado, o paciente também não entenderá que a culpa de toda essa situação é das operadoras.

PRAZOS DE ATENDIMENTO
Hoje, nós sabemos que se vende mais planos de saúde do que se poderia, há menos redes credenciadas e as empresas têm menos possibilidades de atender à população. Ao ampliar prazos de atendimento, ganham as empresas, lógico. Agora, quando você contrata um plano de saúde, quer um atendimento adequado e rápido. Sendo assim, a ampliação do prazo deixa de lado a questão mais importante: a saúde do consumidor. Por vezes, o tempo de atendimento vai refletir na decisão da saúde, que pode se agravar com a demora.

AUMENTO DE PLANOS COLETIVOS
Entendo que deveria haver um acompanhamento, por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em relação à possibilidade de se ter um norte para a questão dos reajustes de planos empresariais e coletivos. Hoje ela não pode intervir,
e para isso, deveria haver uma mudança na lei. É uma questão complexa, pois sabemos que existem muitos planos de modalidades diferentes, cada qual com suas particularidades. É necessário um estudo muito grande da ANS para colocar isso em prática, mas acreditamos que ela possa fazer. Precisamos aproveitar o momento para que se faça essa proposta.

Matéria publicada na Revista da APM 697 – março 2018
Foto: BBustos Fotografia