Maria Inês Dolci – Parlamentares colocam Lei dos Planos de Saúde em risco

Discussões que ocorrem em Brasília podem transformar as obrigações e deveres dos planos, prejudicando a Saúde, a população e os médicos

Entrevistas

Em agosto, a Proteste – Associação de Consumidores – lançou uma campanha que tem como objetivo mobilizar a população contra alterações da Lei 9.656/1998, dos planos de saúde, em discussão no Congresso Nacional. Atualmente, quase 150 projetos que tratam sobre o tema estão em tramitação e os parlamentares pretendem tirar disso um novo texto para a saúde suplementar. Ventila-se que haverá alterações no rol de procedimentos e a proibição do uso do Código de Defesa Consumidor no setor, por exemplo. Entre as outras propostas que significariam um enorme prejuízo à população estão a liberação dos reajustes dos planos individuais de saúde e de planos “populares”, segmentados e com inúmeras restrições de coberturas, e o fim do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS), quando um cliente de plano é atendido na rede pública.

A Proteste, junto do Procon/SP, soltou uma nota de repúdio, em que também solicitou a participação das entidades e da sociedade civil nas audiências sobre o tema, que até agora só aconteceram com a presença dos parlamentares. Em virtude disso, a entidade também disponibilizou em seu site uma petição para que a população tenha a sua voz ouvida e seus direitos representados. Para entender melhor os meandros desse processo político, os riscos à população, aos médicos e à saúde brasileira, conversamos com Maria Inês Dolci, que é vice-presidente do conselho diretor da Proteste. Confira a seguir.

A Câmara dos Deputados debate atualmente propostas de mudanças da Lei 9.656/98, que regula a saúde suplementar. O que esperar?

Primeiramente, o que está sendo discutido na Câmara Federal é justamente a revisão da Lei dos Planos de Saúde, 9.656/98. Os projetos de lei em tramitação, totalizados, são 141. A Câmara está priorizando esse debate, mas do ponto de vista da nossa entidade, pode ser um retrocesso nos direitos para os usuários da saúde suplementar. Apesar de quase 100% dos projetos apresentados pelos parlamentares, de 2001 para cá, tratarem de adaptações para atender às necessidades dos consumidores, até agora as discussões na comissão têm se restringido a corte de direitos. A saúde no Brasil, pública ou privada, precisa ser mais debatida, com mais compromisso e seriedade.

Da forma como vêm sendo conduzidas as novas propostas, as únicas beneficiadas serão as operadoras de planos de saúde.

Então, há uma espécie de lobby das empresas?

Da forma como vêm sendo conduzidas as novas propostas, as únicas beneficiadas serão as operadoras de planos de saúde. Nossa preocupação se baseia nas discussões que tomaram conta das sete audiências públicas sobre o tema, já que ainda não há rascunho do relatório disponível, ou seja, falta transparência na condução das alterações e propostas. As instituições de defesa do consumidor entendem que, apesar de prometerem a redução da judicialização e a solução dos problemas crônicos do setor de saúde no Brasil, esses projetos servem, na verdade, para reduzir, ainda mais, os direitos dos usuários.

Qual a extensão do prejuízo?

O prejuízo é enorme, haja visto as propostas em discussão, que incluem rede hierarquizada, planos e coberturas regionalizados e liberação de reajustes de mensalidades. Além disso, as operadoras estão propondo prazos ainda maiores para atendimento nos planos “acessíveis”, com dilação para 30 dias com médicos especialistas e 45 dias para uma segunda opinião. Tais prazos, além de dificultarem ainda mais o acesso do consumidor à rede credenciada, podem comprometer gravemente o seu quadro de saúde.

No pacote em debate, existem outros pontos nocivos a registrar?

É preocupante o consumidor perder a cobertura mínima obrigatória que foi conquistada pela Lei nº 9.656/98, cuja proposta vai na contramão do que a ANS tem feito. O mínimo virará máximo e as empresas poderão coloca no mercado produtos com cobertura restrita. A proposta dos planos acessíveis não desafogará o SUS, nem diminuirá despesas. Oferecerá uma cesta básica de serviços, e o consumidor terá que desembolsar para outros tratamentos. Não nos parece nada “acessível” um plano comercializado com mensalidade barata e atrativa, porém, com um alto custo para utilização, obrigando o usuário a enfrentar as filas demoradas do SUS para casos mais complexos. A votação na Câmara, da forma que se desenha, é absurda e injustificável. É necessário que haja um debate democrático sobre as propostas de alterações na legislação. Não podemos aceitar acordos e subterfúgios feitos na calada da noite.

E para os médicos?

Os médicos também serão prejudicados, principalmente no que se refere à autonomia e à liberdade do exercício profissional, uma vez que se enterrará na prática o atendimento integral. Nos casos de alta complexidade, a proposta obriga que o paciente passe por uma segunda opinião antes do encaminhamento para exames e procedimentos, atrasando e dificultando ainda mais o acesso aos tratamentos. A prestação do serviço em Medicina será desqualificada pela prevalência do poder econômico.

E em relação a uma possível liberação de planos “populares”, como enxerga a questão?

O fato é que se nós temos um plano simplificado, somente de cobertura de atenção básica primária, isso engana o consumidor, que pagará anos de atendimento somente de procedimentos de baixa e média complexidade. Além disso, reforço, qualquer plano com cobertura inferior ao rol da ANS, que é o que está sendo proposto, não vai solucionar a necessidade do usuário, pois criar esses planos falsos, que fingem que atendem por um valor mensal menor, é ilusão. Portanto, a proposta em discussão visa, fundamentalmente, desregulamentar o setor, liberando-o de qualquer controle, com o agravante  de que essas modalidades são contrárias a tudo o que foi feito para regulamentar a Saúde até agora.

Entrevista publicada na Revista da APM – edição 692 – setembro2017