Com gosto pela política desde jovem, o médico participou de suas primeiras mobilizações públicas ainda na década de 1970, em prol da liberdade democrática no País e também com a fundação da Associação Popular de Saúde – entidade que até hoje mantém trabalho de atendimento voluntário
Guilherme Almeida
Natalini também faz parte da história da Associação Paulista de Medicina, na qual é associado desde 1982 e foi delegado representante da capital na década de 1980. Antes de se tornar vereador, ocupou a presidência dos Conselhos de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems) e Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), quando pôde transmitir seus conhecimentos sobre a relação de municípios e SUS à categoria. Seu primeiro mandato na Câmara Municipal de São Paulo foi em 2000. Na casa, onde exerceu quatro mandados, foi líder de bancada, membro de diversas comissões, proponente de projetos de melhorias para a Saúde e o Meio Ambiente e participou ou presidiu diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).
Desde o início deste ano, exerce um novo desafio: foi convidado a chefiar a Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo. Abaixo, ele conta os desafios da atual posição, versa sobre a saúde pública brasileira e paulistana, antecipa as perspectivas que tem com a atual gestão da cidade e relembra alguns momentos de sua extensa atuação.
Em primeiro lugar, como enxerga a Saúde brasileira atualmente?
Com muita tristeza. Eu sou um daqueles que há 45 anos iniciaram a luta para construir um sistema público de saúde digno para atender a população e que trouxesse condições de trabalho adequadas aos profissionais, em particular os médicos. Também fui presidente do Conasems e nessa época municipalizamos o SUS por todo o Brasil, conseguindo com muita pressão de instituições diversas a aprovação da Emenda 29 – que trouxe a vinculação de verbas federais à Saúde. Relegaram a regulamentação da emenda durante um bom tempo e, aos poucos, foram congelando a Tabela SUS e o repasse de verbas nunca foi feito de acordo com a necessidade do sistema.
Além disso, houve relaxamento na gestão do sistema. Hoje o SUS se encontra na penúria. Temos um ministro da Saúde que não tem relação com a história e nem compromisso com o SUS. Está lá apenas por um acordo político – isso piora a situação. Com a crise, a situação se agravou, pois milhões de pessoas procuraram o sistema público, que não tem estrutura condizente para fazer o necessário. Há um grande perigo no Brasil de termos uma lesão irreversível no SUS que criamos.
E em São Paulo, especificamente, como vê a situação?
O SUS é feito de vasos comunicantes – os municípios, os estados e a União. Se o sistema tem problemas em nível geral, o município – com seus recursos finitos – sozinho não consegue segurar o sistema. Em São Paulo, por exemplo, o contexto intermunicipal engloba 39 cidades. Cidadãos procuram serviços onde eles existem, então São Paulo sofre uma invasão humana na procura de serviços do SUS, resultando numa regulação difícil. São Paulo investe relativamente bastante dinheiro no setor, em volta de 19% do tesouro municipal e já chegou a ser 20% em determinado momento, mas é insuficiente. A cidade precisa de mais aporte do dinheiro federal – que é o ente federativo mais rico da relação – e um entrosamento de gestão muito mais apurado entre rede municipal e estadual.
Falando nisso, o que espera da nova administração da cidade no que se refere à Saúde?
Mudanças. O que temos visto é que há, em um primeiro momento, atendimento emergencial nas questões mais candentes: filas de exames e especialidades que é enorme. O município atacou esse problema de forma aguda e está conseguindo diminuí-lo. Também vejo preocupação do prefeito em preservar o orçamento, priorizando o atendimento de saúde na cidade. Não houve congelamento na área. Também há planos de melhorar o fornecimento de medicamentos à população. Quem não tira dinheiro do setor está preocupado em atender bem, então estou esperançoso que possamos melhorar.
O Programa de Saúde da Família é importante ao nosso município?
Sou defensor da ampliação da atenção básica e do Programa de Saúde da Família em São Paulo. É importante para grandes e pequenas cidades e espero que avance cada vez mais. Fui dos primeiros médicos de família e comunidade quando não havia o programa. Eu atuava no Hospital Santa Marcelina e fizemos um posto de saúde fora do hospital para colocar esse modelo em prática, em 1978. Foi um embrião das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Tínhamos cadastramento dos moradores, visitas em casa, agentes comunitários voluntários, enfermeiros, auxiliares de enfermagem.
Como enxerga a relação entre saúde, qualidade de vida e bem-estar do cidadão?
Ainda acadêmico, entendi que a saúde humana tem total relação com condições ambientais e sociais que a pessoa tem. No inverno de São Paulo, há um afluxo de crianças e idosos com patologias pulmonares agudas e crônicas nos prontos-socorros por conta das partículas de enxofre. O patologista e pesquisador Paulo Saldiva já provou que os picos de poluição dobram a quantidade de infartados em São Paulo. Também tive contato com uma pesquisa de ingleses que pressupõe uma relação causal entre meio ambiente, maneira de vida e tumores. Cada vez me convenço mais de que se não tivermos um ambiente saudável, podemos ter tecnologia de ponta e os melhores profissionais, e mesmo assim pessoas continuarão morrendo por conta dos agravos ambientais e do modo de vida que têm.
Neste sentido, como está sendo a sua experiência na Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente?
Nós herdamos a secretaria em uma situação muito precária. A cidade tem 107 parques e, pelo menos 80 estavam em condições muito ruins, de quase abandono por falta de manutenção, equipes de vigilância, manejo, banheiristas etc. Havia equipamentos quebrados, sujeira, brinquedos danificados, mato alto, enfim, uma situação muito ruim. Acontece que o orçamento herdado é muito pequeno, mas mesmo assim nós já demos início à recuperação de 33 parques, cortando mato, pintando prédios, recuperando quadras e banheiros – tudo isso em 50 dias. Estamos realizando esforços sobre-humanos, já que temos equipes pequenas. Fazemos isso com a ajuda da população, com mutirões, doações, participação de empresários e prefeitos regionais.
Agora, no campo dos grandes programas ambientais de São Paulo, encontramos todos interrompidos pela gestão passada, como os Programas Córrego Limpo, Defesa das Águas, inspeção veicular [leia mais sobre o assunto na pág xx] e o Comitê de Mudanças Climáticas. Interrompidos com zero resultados. Estamos retomando-os. Também recuperamos fortemente o projeto de cobertura arbórea da cidade. Vamos começar a plantar árvores em breve, com o seguinte lema: “Árvore certa, no lugar certo, na hora certa”.
Na última gestão (2013 a 2016), tivemos quatro secretários – um por ano. Estamos costurando o tecido ambiental da secretaria para trazê-la de volta ao protagonismo e buscando a intersetorialidade com as demais secretarias, com o estado e com a sociedade civil.
Por fim, como enxerga a força do associativismo médico?
Acredito na união da categoria. Na verdade, só acredito nisso para que possamos colocar a Saúde nos eixos. Os médicos precisam participar mais, confiar nas entidades e fiscalizar as direções. Eu confio plenamente no compromisso político que a atual diretoria da APM tem com a categoria médica, confio nestes diretores e sou amigo pessoal de vários deles, inclusive do presidente Florisval Meinão, que conheço há muitos anos, desde a minha residência médica. O associativismo é fundamental, desde o Movimento de Renovação Médica a classe aprendeu que além de salário adequado, precisa de boas condições de trabalho para prestar assistência ao povo com qualidade. E isso só se faz com um SUS condizente, digno e respeitoso. O médico é peça fundamental para impedir a derrocada da Saúde.
Publicado na Revista da APM – edição 686 – março 2017
Foto: Osmar Bustos