Na manhã do último sábado, 13 de agosto, a Associação Paulista de Medicina sediou o retorno das rodadas de aquecimento para a quarta edição do Global Summit Telemedicine & Digital Health – que acontece nos dias 4, 5 e 6 de outubro, no Transamerica Expo Center.
Moderado por Jefferson Fernandes e Antônio Carlos Endrigo, respectivamente presidente do GS e diretor de Tecnologia de Informação de APM, o tema do evento foi “Da telemedicina à inteligência artificial: os caminhos da saúde digital”, com a presença de diversos especialistas da área e renomados palestrantes.
“Passamos por uma situação complicada durante a pandemia de Covid-19, tivemos muitas perdas de vidas e momentos importantes. Por outro lado, tivemos muitos ganhos, e um deles é o crescimento exponencial da saúde digital, da telemedicina e da telessaúde, áreas que buscamos evoluir e aprender de forma constante”, pontuou Fernandes.
Desafios na saúde digital
O primeiro palestrante a se apresentar foi Fernando Cembraneli, fundador e CEO do HIHUB.TECH – Health Innova HUB, que ficou responsável pela exposição e debate do tema “Futuro e Desafios das HealthTechs”. Ele enfatizou que enquanto estudante de Medicina, não era comum ter comunidades de empreendedorismo, inovação em Saúde e ecossistemas digitais de outros ramos.
“Essa falta de ecossistema faz com que qualquer inovação, ideais e pessoas interessadas em desenvolver uma carreira ou projeto nesta área acabem levando muito mais tempo para conclusão. O ecossistema demorou muito para se desenvolver, porém, nos últimos anos, observou-se uma importante aceleração no setor”, ressaltou.
O especialista evidenciou que hoje, acima de tudo, o mundo vive um ecossistema digital fácil e muito lucrativo. “Ao longo dos anos, foi possível vivenciarmos esta mudança, é impressionante como há mais vagas para empreendedores, inovação e saúde digital. Quando me formei, essas vagas simplesmente não existiam, principalmente no Brasil.”
Ainda segundo o palestrante, quem trabalha com inovação não é alguém que se formata dentro dos padrões do setor. “Empreendedores têm uma questão de inquietude e de realmente querer fazer a diferença dentro de seus respectivos projetos. Por isso, quando lançamos a iniciativa HIHUB.TECH, no ano de 2016, começamos a usar muito fortemente esta visão de ecossistema, que é onde se encontra a maior diversidade”, completou.
Cembraneli ainda destacou que, de fato, o desejo é criar ideias e ter a presença de novos inovadores no setor. Com a chegada da pandemia, ficou claro que o posicionamento a ser levado em consideração seria a favor do ramo digital na inovação em Saúde. “Estamos falando de uma mudança geográfica muito importante, que também afeta quem está trabalhando com saúde digital.”
Enfatizou também que conhecer a trajetória e a história dos empreendedores e inovadores da área é fundamental para aprender com eles. Conforme ressalta, um erro na inovação pode custar muito caro, em termos de tempo, recursos e até mesmo do futuro da startup. Sem o acompanhamento da legislação, o futuro do projeto estará comprometido.
“Destaco que é superimportante estar conectado com as pessoas, a comunidade tem um papel determinante no grau de profissionalismo, na capacidade de comunicação e na forma de aproveitar as oportunidades. Entendemos que nosso papel é trabalhar com inovadores da Saúde, aceitando e trazendo desafios para o público. Inovar é estar vivenciando de forma constante uma série de desafios, buscando sempre a superação destes”, pontuou.
Em uma missão da empresa à China, o especialista conta que pôde perceber o que é uma sociedade que necessita de Saúde de qualidade. Em um dos países mais populosos do mundo, não há muitos profissionais da área para atender toda a população de forma presencial, e é quando a inteligência artificial ganha seu espaço.
“Telemedicina e saúde digital são fundamentais para fazer a gestão de cuidado populacional do País. Além disso, a infraestrutura é regulamentada pelo governo e está em expansão. Realmente é um lugar muito avançado na saúde digital, onde a telemedicina não é uma opção, e sim uma estratégia de Estado. No Brasil, ainda estamos na fase de duvidar da expansão na Telemedicina, mas a transformação exponencial já está acontecendo”, finalizou.
Modelo de cuidado
Em seguida, Victor Gadelha, head de Inovação médica de operações hospitalares e cuidados integrados da DASA, abordou o tema “Como as interações entre as inovações acontecem na entrega do próximo modelo de cuidado.” O palestrante iniciou falando dos principais aspectos conceituais, o futuro da saúde digital e como as inovações se conectam como um todo.
“Essas interações são complexas, começam com pequenos projetos e vão evoluindo, e quero abordar as lições que podemos tirar disso em questão de valor. Não pelo conceito de saúde baseado em valor, mas valor como um todo, para todos os aspectos da nossa vida”, salientou. De acordo com ele, se pensarmos no passado, a relação entre médico e paciente era unilateral e, ao longo dos anos, foi possível evoluir em epidemiologia clínica, a partir da realização de processos com abordagens diretamente para o bem-estar do paciente.
Até que, em 1980, o Canadá criou o conceito de medicina baseada em evidências, promovendo transformação gigantesca. Para o especialista, é basicamente um tripé, em que se torna crucial considerar o paciente e suas necessidades, o que começou com a percepção de cada pessoa atendida nos séculos passados. Hoje, com as metanálises, é possível abordar vários estudos e responder questionamentos dos médicos acerca dos pacientes.
“O tripé foi criado de forma assimétrica, e foi mudando ao longo dos anos. A evidência hoje é complexa, pois não é possível atribuir uma única verdade para todos os pacientes e, quando pensamos na próxima fase do cuidado em Saúde, nos deparamos com a Medicina de precisão e vários outros métodos. A evolução tecnológica vem basicamente estruturando dados para a Saúde, algo extremamente complexo, mas foi a partir da presença do digital que foi possível ter mais acesso a dados”, explicou Gadelha.
Em relação ao cuidado centrado no paciente, o palestrante afirma que são conceitos existentes há muito tempo, e é preciso entender quais são as necessidades do usuário, pois não é o médico que espera pelo paciente, e sim o paciente que vai ao encontro do profissional de Saúde. “De maneira geral, o valor irá trazer alguns importantes aspectos, principalmente o modelo de remuneração em Saúde, é quando saímos do aspecto financeiro e passamos a remunerar o quanto de saúde entregamos para um paciente ou um grupo específico.”
Regulamentação de Softwares Médicos
Partindo para o âmbito regulatório, Renata Rothbarth, advogada sênior do escritório Mattos Filho e especialista em Direito médico, ficou responsável pela temática “Softwares as Medical Devices- SamD: Nova Regulamentação e Impactos na Prática da Medicina”.
“Costumo dizer que nunca houve uma época tão bacana, interessante e boa para se estar no ecossistema de Saúde, e isso ocorre porque hoje temos muita visibilidade dos problemas, desafios e gargalos do sistema, público ou privado. Também nunca tivemos tanto investimento nesse setor e em soluções inovadoras que podem mudar drasticamente a forma de cuidado com as pessoas”, iniciou a palestrante.
A especialista ressaltou que a maneira de observar, desenvolver e investir nessas soluções estão mudando, o que também passa por uma questão regulatória, aspecto importante a ser considerado. “É uma temática extremamente relevante, porque estamos falando do nosso bem maior, a vida. Um ponto que gosto de destacar é que os próprios setores de Saúde são regulamentados pelos conselhos responsáveis, com limites e parâmetros em cada.”
De acordo com ela, software médico pode ser definido como qualquer programa ou plataforma usado em um contexto de assistência à Saúde. “Estes sistemas operacionais são poucos conhecidos, e começamos a discutir este tema de forma aprofundada há pouco tempo.” E salientou que a Anvisa vinha avaliando este tema em conjunto com outras agências regulamentadoras, estudando os benefícios e os impactos que os softwares terão na vida das pessoas, especialmente no âmbito de assistência em Saúde.
“A partir de análises realizadas nos últimos cinco anos, a Anvisa percebeu que essa realidade virtual fazia com que determinados requisitos sanitários e regulatórios fossem relevantes e possíveis de identificar para produtos físicos. Hoje, qualquer empresa tem a liberdade de desenvolver um software médico, seja para diagnóstico, prevenção, tratamento, reabilitação e/ou contracepção. Diria que qualquer algoritmo que esteja sendo desenvolvido e que vá ser utilizado no contexto de suporte à decisão clínica pode ser considerado um software”, ponderou.
Concluindo sua exposição, a especialista explicou que, a partir do momento em que é desenvolvido um software médico, é preciso regulamentar este produto perante a Anvisa, e isso influencia drasticamente no modelo de negócio da empresa. “É um desafio, pois envolve uma série de critérios que precisam ser respeitados, sendo necessário demonstrar ao órgão regulamentador que foram avaliados os três principais aspectos, qualidade, segurança e eficácia.”
Inteligência artificial
O tema central da última palestra ficou voltado para a inteligência artificial na Saúde 5.0 e as novas profissões digitais, apresentado por Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, fundador e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. “Na realidade, inteligência artificial não é um bom termo, pois não sabemos o que é inteligência, apenas tentamos imitá-la. Apesar disso, sua chegada foi um grande divisor de águas para a Medicina, através de revoluções encontradas em diversas tecnologias”, iniciou a discussão.
Conforme o palestrante, a saúde digital tem o objetivo de ajudar os profissionais de Saúde e experiência dos pacientes, promovendo qualidade de vida e bem-estar a todos. Ele reforçou que a formação de ecossistemas e de redes digitais surgiu para apoiar a saúde digital, com sistemas que conversem entre si. Hoje, dados de pacientes estão espalhados por todos os lugares, sendo preciso centralizar informações usando padrões de dados, o que requer comunicação entre as plataformas.
A definição da Organização Mundial da Saúde sobre a Medicina 4.0 é de um campo do conhecimento associado ao desenvolvimento e uso de novas tecnologias para melhoras na Saúde, expandindo também o conceito de e-Saúde para abranger consumidores digitais, smartdevices e equipamentos conectados à internet. “Podemos dizer que é uma denominação comumente atribuída às novas bases do sistema de cuidado, por analogia com a indústria 4.0 para a área de manufatura, conectando permanentemente o mundo real a um novo mundo virtual, distribuído por meio das grandes redes globais”, enfatizou o especialista.
Em relação ao futuro e à evolução para a Saúde 5.0, Sabbatini expõe que será voltada para o uso extenso e generalizado de sistemas cognitivos (Inteligência Artificial, Aprendizado de Máquina, Processamento de Linguagem Natural, Big Data & Analytics, Web Semântica e Robótica) em Medicina e Saúde. “Serão sistemas telecontrolados e autônomos para terapias digitais e cirurgia, com dispositivos de ação sobre o paciente em tempo real, além de grande desenvolvimento da biônica, implantes, órgãos artificiais, etc.”
Por fim, ele destaca que existe um questionamento de que o médico será substituído pela inteligência artificial, e a verdade é que não vai, serão substituídos apenas aqueles que não a conhecem. “E o médico que acha que será substituído, deveria ser. A Medicina não quer ser destruída, pelo contrário, quer progredir, é muito falado que precisamos destruir para substituir, o que não faz o menor sentido”, concluiu.
Fotos: Marina Bustos