Foi por causa de uma queimadura que o químico e perfumista francês René-Maurice Gattefossé descobriu, na década de 1920, o potencial medicinal do óleo de lavanda. Ele se acidentou durante um experimento e, para aliviar a dor, mergulhou o braço no primeiro barril que viu em seu laboratório.
O recipiente estava cheio do produto vegetal. Gattefossé teve uma melhora rápida e atribuiu à substância natural a sua recuperação.
Na verdade, o perfumista estava redescobrindo uma prática que, segundo vestígios arqueológicos, já era difundida na Antiguidade. As plantas sintetizam, naturalmente, um óleo que é liberado com finalidades diversas, como atrair um polinizador ou afastar predadores. Essa substância é, então, extraída com técnicas variadas e usadas em massagens, difusores ou adesivos com fins terapêuticos.
Agora, um anestesiologista especializado em manejo da dor publicou a primeira pesquisa clínica a comparar o uso de um óleo essencial ao placebo para redução do uso de opioides em pessoas recém-operadas.
Nos Estados Unidos, onde Jacques E. Chelly é pesquisador e professor universitário, há uma epidemia desse tipo de medicamento, que tem alto potencial de provocar dependência química. Os resultados iniciais do estudo, ainda em andamento, mostraram que a aromaterapia com óleo essencial de lavanda reduziu pela metade a utilização dos remédios para dor pós-cirúrgica.
Segundo o médico, estudos anteriores mostram que ansiedade, depressão e catastrofização (quando o paciente pensa que vai morrer na cirurgia) aumentam a dor no pós-operatório e, por consequência, o uso de opioides em 50%. Como o óleo essencial de lavanda é muito utilizado para acalmar e relaxar, ele decidiu usar essa substância no estudo.
Na fase preliminar, foram incluídos 25 pacientes (o número final será 60), divididos em tratamento com o óleo essencial ou placebo. No caso dos primeiros, eles receberam um adesivo de lavanda e hortelã que liberava lentamente a substância.
Para comparação, a outra parte também usou o patch, mas com óleo de amêndoas, que não tem indicação para tratar a ansiedade.
A cada 12 horas até se completarem 72 horas depois da cirurgia, os participantes trocavam o adesivo. Ao longo do estudo, foram registrados os níveis de ansiedade, depressão, catastrofização, dor e o consumo de opioides.
Durante o Congresso Anual da Sociedade Europeia de Anestesiologia e Terapia Intensiva, em Milão, na semana passada, Chelly relatou o efeito da aromaterapia na ansiedade 48 horas depois da cirurgia.
O escore de ansiedade inicial (pré-operatório) foi semelhante em ambos os grupos (23,5 no de aromaterapia e 22,9 no placebo. Dois dias depois, houve queda na pontuação nos dois braços do estudo, mas a maior foi verificada nos pacientes que usaram o adesivo de lavanda e hortelã: 13,47 contra 16,2.
Além disso, no grupo de aromaterapia, o consumo total de opioides foi 50% menor nas primeiras 48 horas após a cirurgia.
Os pesquisadores basearam-se em uma medida chamada Oral Morphine Equivalente (OME), que compara o uso de diferentes medicamentos e métodos. Enquanto a pontuação no primeiro caso foi 12 OME, no segundo ficou em 24,75 OM, indicando uma utilização menor dos analgésicos por pessoas que tinham o adesivo de lavanda. “Nossos resultados sugerem que, ao controlar a ansiedade, a aromaterapia pode ajudar a controlar a dor e reduzir o consumo de opioides”, diz Chelly (Leia entrevista).
No parto Em 2016, o neurologista Shaheen Lakhan publicou uma análise de diversos estudos que investigaram o potencial do óleo de lavanda no controle da dor do parto. Foram incluídas 17 pesquisas, todas com grupo de tratamento e placebo.
A conclusão foi de que a aromaterapia reduziu a dor no primeiro estágio, quando há aumento da dilatação para 10cm. Além dos efeitos analgésicos, o cientista descobriu que o óleo de lavanda diminuiu o tempo até o nascimento do bebê.
“A aromaterapia estimula o sistema olfativo do cérebro, que tem conexões no sistema límbico, responsável pelas emoções, pela memórias e pela regulação do corpo”, explica Lakhan. “Na verdade, além das reduções nos sentimentos de estresse e ansiedade, a aromaterapia altera muitas reações do corpo, como pulso, pressão arterial, temperatura da pele e dor.” O médico afirma que, desde a publicação do artigo, foram divulgados muitos estudos com resultados bemsucedidos envolvendo óleos essenciais na complementação do tratamento de câncer, transplante de medula óssea, cesariana, hipertensão e constipação, entre outros.
A empresária da área pet Domitila Gomes, 38 anos, conheceu os efeitos terapêuticos dos óleos essenciais há cerca de seis anos, por indicação médica. “Comecei pesquisando para tratar ansiedade”, conta.
Como aprovou os resultados, ela passou a usar outros, além da lavanda, como copaíba e hortelã-pimenta. “Acredito nos efeitos psicológicos da aromaterapia, que realmente acalma, e também na cura física”, afirma. Domitila hospeda cães e usa a lavanda nos animais para relaxá-los ou massageá-los quando sentem alguma dor.
Ela conta que sempre procura se informar sobre os óleos em livros e apostilas. Danielle Vilela Paulino, professora de aromaterapia na Aroma e Flor, no Rio de Janeiro, diz que a lavanda é um dos óleos mais utilizados, porque seus efeitos estão bem estabelecidos. Porém, ela afirma que cada planta tem propriedades próprias. “Com um teste chamado cromatografia, é possível descobrir o princípio ativo de cada planta”, diz a aromaterapeuta, que usa 60 óleos diferentes nos atendimentos. Para Daniele, com mais pesquisas científicas sobre o potencial das substâncias, será possível descobrir muito mais benefícios da prática.
Fonte: Correio Braziliense