É uma honra e enorme responsabilidade assumir este cargo, o maior de um cirurgião fora de uma universidade”. Estas foram as palavras de Paulo Roberto Corsi, mestre e doutor em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo no último dia 15 de janeiro, data que marcou a sua posse como presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC).
Agora, à frente da terceira maior associação de cirurgiões do mundo – a primeira na América Latina –, o professor do Departamento de Cirurgia da Santa Casa pretende trazer novidades. A sua chapa, batizada de Inovação, entende a necessidade da criação de novos mecanismos de atuação para obter melhores resultados nas principais missões do CBC: educação continuada, reciclagem, formação médica e defesa profissional.
“O Sistema Único de Saúde (SUS) reflete as demais áreas do País, sendo mal administrado e recebendo poucos investimentos. No âmbito da saúde suplementar, também há pelo que lutar por melhorias no que tange a Lei 13.003, contratualização e negociação de reajustes com as operadoras. O CBC tem participado de todas as iniciativas para defender a classe médica”, resumiu de maneira geral, ao fazer um diagnóstico inicial do momento que vive o Brasil. Nesta entrevista, Corsi conta um pouco da história da entidade que agora assume, os desafios dos cirurgiões para os próximos anos e versa sobre uma combinação corrosiva para a Saúde do Brasil: o orçamento insuficiente e a gestão inadequada. Confira, na sequência, os destaques de sua conversa com a Revista da APM.
Para começar, pode nos explicar como é o funcionamento do CBC?
O Colégio foi criado em julho de 1929, época em que não existiam tantas especialidades cirúrgicas como atualmente. A entidade buscava atuar como uma associação científica que unisse todas as áreas de Cirurgia. Até hoje, mantemos esse tipo de estrutura. Temos em nosso quadro associativo ginecologistas, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, neurocirurgiões, cirurgiões cardíacos, cirurgiões plásticos, cirurgiões vasculares e urologistas, entre outros. Porém, representamos a Cirurgia Geral como especialidade. Funcionamos como uma associação federativa e não apenas como uma sociedade de especialidade. Há o diretório nacional sediado no Rio de Janeiro – onde se encontrava a capital do País na época de sua criação – e, desde 1941, o Capítulo de São Paulo. Hoje, há Capítulos em quase todos os estados do País
E qual o benefício de ser um membro do CBC? Quais os tipos de atividades realizadas pela entidade?
No âmbito científico, por exemplo, realizamos um congresso nacional a cada dois anos, enquanto regionalmente há os que ocorrem em anos pares (em 2016, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília e Vitória receberão congressos), além de constantes jornadas e simpósios. Editamos revistas científicas e em nosso site há uma área de acesso restrito, na qual os médicos podem acessar trabalhos e vídeos científicos completos. É uma maneira de estimular a reciclagem profissional e a educação continuada. Agora, por uma necessidade de nossos associados, nos últimos anos o Colégio evoluiu e passou a ter intensa atuação na defesa profissional, na tentativa de resguardar a qualidade do trabalho do cirurgião. Obviamente, também é nossa responsabilidade a determinação das matrizes e bases da formação dos especialistas.
O que podemos esperar de sua gestão?
A ideia é que tenhamos uma utilização muito maior das ferramentas de informática. Temos que intensificar este campo para podermos atingir as nossas demandas de maneiras mais eficazes. Precisamos, ainda, fortalecer os Capítulos estaduais, propondo um programa nacional de educação continuada, de forma padronizada.
Em linhas gerais, como enxerga a Saúde no Brasil?
Temos um orçamento enxuto, muito abaixo do necessário, e utilizado em áreas não prioritárias. Frequentemente, temos em um hospital a disponibilidade de quimioterápicos e drogas retrovirais, mas não temos vermífugos e analgésicos comuns. Há colegas que por vezes têm de realizar cirurgias de transplante em unidades onde não há lençóis e itens básicos. Se prioriza muito, por exemplo, o tomógrafo em detrimento de exames de baixa complexidade. Esse desperdício é prejudicial ao pequeno orçamento. Também temos que levar em consideração que o Estado como um todo não prioriza a Saúde. Tudo isso acompanhado de outro problema que a Medicina tem enfrentado: a abertura desenfreada de escolas médicas, em locais que não têm estruturas para hospitais- escola e condições para a criação de uma faculdade de Medicina – que, diferente de outras, necessita de laboratórios de alto nível, hospital e professores altamente qualificados. A política do Governo atual foca muito mais na quantidade do que na qualidade. O projeto Mais Médicos, inclusive, possui uma série de artimanhas jurídicas que permitem que o Ministério da Saúde aumento o número de profissionais sem levar em consideração o nível destes médicos.
Mas acredita que o País tem número suficiente de médicos?
Não, não é suficiente. Veja, ainda está em tramitação no Congresso a lei que regulamenta a carreira do profissional de Medicina. O Estado tem muito bem definida a carreira de juízes e promotores, mas não a nossa. O médico não vai ao interior pois não existe uma estrutura e uma recompensa no seu retorno. Normalmente, este colega vai a lugares mais remotos sem garantias que haverá continuidade em um prazo mínimo, por vezes a Prefeitura local interrompe o pagamento e a sua justificativa é de que o médico não quis ficar no interior. É lamentável que, em 2016, a carreira na Medicina – uma das mais antigas da humanidade – ainda não tenha no Brasil a sua regulamentação estabelecida como sendo de Estado. Essa e outras várias leis de interesse da sociedade – pois a Medicina é voltada para a sociedade – são discutidas, julgadas e votadas no Legislativo sem que a classe tenha participação direta, e isso é péssimo.
O senhor mencionou a preocupação com a formação médica. Tem receio que o ensino na residência também perca em qualidade?
A partir de 2018, será necessário que ocorra paridade entre o número de vagas de residência médica e a quantidade de egressos das universidades. Também houve, então, um credenciamento desenfreado de novas instituições para oferecer esta formação, devido à necessidade exigida agora em lei*. Portanto, foram abertos alguns programas de residência com qualidade discutível, priorizando mais uma vez a quantidade e não a qualidade. Obviamente, a formação dos especialistas será prejudicada, em todas as áreas, inclusive a Cirurgia Geral.
E a obrigatoriedade de cumprir um ou dois anos adicionais de residência em Medicina de Família e Comunidade pode desestimular os egressos a procurarem programas de longa duração, como a Cirurgia?
Temos este receio. Um estudante de Medicina, por vezes, faz cursinho preparatório por mais de um ano e, após, ingressa em curso de seis anos. Algumas especializações em programas de residência têm a duração de cinco anos. Se acrescentarmos mais este período de Medicina de Família e Comunidade, teremos, no mínimo, 12 anos de estudo. É uma formação longa demais para que se exerça a profissão de forma plena, um investimento muito grande. Essa determinação é uma maneira de tentar aumentar o acesso à Saúde da população mais carente e de regiões distantes. Com um objetivo nobre, no entanto, utilizou-se o caminho inadequado.
Por fim, quais os principais desafios que os cirurgiões gerais terão de encarar nos próximos anos?
Uma de nossas maiores preocupações é que a Cirurgia Geral tem sido preterida por outras áreas. Os residentes iniciam sua formação neste programa, mas visando atuar em outras especialidades, como Cirurgia Plástica, Vascular e Urologia. Então, a contribuição da nossa especialidade na formação existe, mas apenas como uma passagem para outro objetivo. Pretendemos que a formação do cirurgião geral seja estendida para uma duração maior, para que possamos valorizar este profissional tão necessário, principalmente em cidades menores e distantes ao longo do País. Nestes locais, quem faz a maior parte dos procedimentos cirúrgicos, de outras especialidades inclusive, é o cirurgião geral, normalmente um profissional mais abrangente e que supre a maior parte das necessidades de comunidades menores.
*Corsi se refere à inovação empreendida pela Lei do Mais Médicos, que visa ampliar a formação de especialistas com a universalização do acesso à residência médica. A Lei determina que, até o final de 2018, haja o mesmo número de vagas de residência de acesso direto que o número de egressos dos cursos de graduação do ano anterior. A resolução será aplicada pela primeira vez em concurso que permitirá a entrada nos programas que se iniciarão no primeiro trimestre de 2019.
Matéria publicada na Revista da APM – Edição 674 – Jan/Fev 2016