A Associação Paulista de Medicina debateu o tema “Saúde mental e motivação – como mantê-las” na noite da última quarta-feira, 8 de junho, em mais uma edição de seu webinar. Com transmissão ao vivo pelo canal da entidade no YouTube, o evento foi apresentado por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM, e moderado pelos diretores Álvaro Nagib Atallah (Economia Médica e Saúde Baseada em Evidências) e Paulo Manuel Pêgo Fernandes (Científico).
Os palestrantes convidados do evento foram Alexandrina Meleiro, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudo e Prevenção do Suicídio, e Kalil Duailibi, presidente do Departamento Científico de Psiquiatria da APM. Os especialistas falaram sobre as Síndromes de burnout e boreout na profissão médica.
Burnout
Muito comentada nos últimos anos, a origem da palavra burnout é inglesa, podendo ser traduzida como “exterior queimando por dentro” ou “queimar-se por completo”. Criado pelo psicanalista alemão Herbert Freudenberger, em 1974, o termo surgiu diante da exaustão do médico enquanto observava a si mesmo. O especialista costumava trabalhar mais de 12 horas por dia atendendo pacientes usuários de drogas e dependentes químicos e, devido ao esgotamento físico e mental, ficou doente.
Apesar de qualquer pessoa ser suscetível, durante a pandemia de Covid-19, o número de médicos apresentando a síndrome se tornou alarmante. Alexandrina iniciou a apresentação salientando que, acima de tudo, médicos também são seres humanos sujeitos a ficarem doentes. “Muitas vezes, pacientes e entidades enxergam o profissional de Saúde como deuses e, se olharmos para décadas passadas, isso poderia até parecer algo natural. Entretanto, hoje, com toda mudança tecnológica, os profissionais acabam sendo representados por figuras que precisam atender ao que o convênio e a população desejam, passando por situações acima da natureza médica.”
A palestrante ressalta que os sinais da síndrome podem ser notados desde a formação médica. Com todo o tempo dedicado aos estudos, trabalhos acadêmicos teóricos e diversas horas em plantões, gerando uma intensa carga física e, mesmo com toda tecnologia já desenvolvida, o profissional ainda se sente sobrecarregado, o que resulta em estresse e preocupação excessiva. “Claramente, podemos definir a síndrome por meio dos sinais de frustração e raiva como resposta ao estresse pessoal. Todos os aspectos também podem afetar as atividades de trabalho e vida social, diminuição da produtividade, da qualidade do trabalho e vulnerabilidade pessoal cada vez maior.”
De acordo com ela, quando falamos de burnout, precisamos lembrar da natureza médica, que sempre está voltada para o ponto de vista humanitário, desejo de cuidar, curar, dedicar e prazer em ter contato com o ser doente: “Todos os aspectos deste âmbito têm certo grau de exigência. Do ponto de vista pessoal, o profissional terá que se afastar de celebrações, relacionamentos pessoais, adiar planos e continuar com a imensa interação com o sofrimento de seus pacientes”.
Constantemente, o burnout se manifesta em profissionais de Saúde quando atividades relacionadas ao trabalho se tornam motivo de cansaço e estresse contínuo. “Dentro dessa problemática, podemos observar que o médico involuntariamente sente a necessidade de ter uma dedicação intensificada, com predominância de fazer tudo sozinho, o que gera certo descaso com as necessidades pessoais (comer, dormir, sair com os amigos)”, enfatiza a vice-presidente da ABEPS.
“Outro importante fator observado é a negação dos problemas. Nesta fase, os profissionais se sentem completamente desvalorizados e tidos como incapazes. Os contatos sociais são repelidos, cinismos e agressão se tornam evidentes. Ainda, mudanças perceptíveis podem ser observadas no comportamento do médico, ocasionando o esgotamento profissional”, acrescenta a especialista.
Boreout
Em seguida, Duailibi apresentou suas conclusões sobre a síndrome de boreout. O termo surgiu em 2007, em livro publicado por Peter Werder e Philippe Rothlin. O conceito originado da palavra bored, “entediado” em inglês, consiste em um distúrbio psicológico causado por baixa carga mental no ambiente de trabalho, estado de apatia, desinteresse e desconexão com a empresa.
“Estamos acostumados a falar sobre o burnout, e ainda aprendendo a lidar e tratar a doença. Durante a pandemia, os profissionais da Saúde não foram tão acometidos pelo boreout, justamente porque não ficaram por muito tempo em confinamento, e constantemente atendiam seus pacientes de forma on-line ou estando na linha de frente no combate à pandemia”, informa o psiquiatra.
O boreout caracteriza-se por três dimensões que podem ser associadas, entre elas o esgotamento emocional, falta ou carência de energia acompanhada de um sentimento de esgotamento emocional; despersonificação, endurecimento afetivo ou insensibilidade emocional; e falta de realização profissional, sentimento de inadequação pessoal e profissional.
O médico explica que há uma tendência de profissionais da Saúde se autoavaliarem de forma negativa, sendo os principais acometidos pela síndrome. Por se cobrarem incessantemente
para a realização de um trabalho bem-feito, se irritam facilmente com as dificuldades, sofrimentos dos pacientes e falta de recursos para trabalho em entidades médicas.
“Dentro dessa questão, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a própria APM têm chamado atenção para este problema. Desde 2017, tem sido publicado no Brasil e no mundo matérias indagando sobre o estado atual da saúde do médico. Com a chegada da pandemia de Covid-19, a população de forma geral diminuiu as atividades físicas em quase 50%, observou-se também diminuição do sono, aumento dos casos de ansiedade, maior consumo de álcool e tabagismo. Outro dado levantado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foi que, com a melhora da pandemia de Covid-19, outra se iniciaria, a de transtornos mentais”, alerta.
O estresse é um dos principais sinais da síndrome de burnout e boreout, é a reação fisiológica do corpo em meio a situações de ajustes comportamentais. O presidente do Departamento da APM explicou que, caso perdure por mais de três meses, o estresse se torna crônico e começa a gerar implicações inflamatórias, interferindo diretamente em aspectos físicos, entre eles problemas cardíacos, diminuição de imunidade e um estado inflamatório global de todos os órgãos, inclusive do cérebro. “Diante destes dados, podemos afirmar que grande parte dos transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão, são desencadeados e descobertos por meio de problemas físicos.”
Prevenção
O cuidado para ambas as síndromes é simples, manter hábitos saudáveis e equilibrar carreira e vida pessoal. “Com todo o cenário apresentado, podemos pensar no que pode ser feito para prevenir as síndromes. São ações fáceis e rápidas de serem implementadas, por exemplo, momentos de meditação em pequenos intervalos, autopercepção e visualização de sua própria situação”, aconselhou Alexandrina Meleiro.
“Outra questão importante é pensar e zelar pelo bem-estar básico, buscar horários de trabalho que possibilitem descanso e sono adequados, acesso a salas de descanso e conforto no ambiente de trabalho, enquanto estão em longos turnos, boa alimentação, higiene pessoal e atividades físicas”, complementou.
Sobre as orientações e recomendações gerais, a especialista cita a redução de atividades de trabalho não essenciais e estimular o atendimento por telemedicina, quando possível. Ainda ressaltou que a prevenção da doença deveria ser promovida em grupos e workshops, com o intuito de acabar com o senso de solidão na luta contra a doença, troca de experiências e estímulo a bons relacionamentos no local de trabalho (apoio).
Kalil Duailibi, por sua vez, acentua que para o combate da doença, tanto a população em geral quanto os médicos consomem diversas drogas para tentar aliviar os sintomas. “Diariamente, ouvimos que dormir é perda de tempo e, com isso, ficamos reféns de energéticos, fórmulas de academia e uso do álcool. Costumamos falar que quem diz que bebe socialmente está
mentindo. As pessoas costumam minimizar seus problemas com a substância, e o burnout também se encaixa nesta situação.”
“Cuidar de médicos é sempre uma tarefa difícil. Geralmente, o profissional não costuma cuidar de si mesmo e é muito bom em aconselhar seus pacientes, pois, teoricamente, acredita que sabe de tudo. Com o descaso com a própria saúde, acaba aderindo a tratamentos de forma irregular e por menor tempo que o necessário”, finalizou o palestrante.
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