Veja curiosidades sobre a varíola dos macacos

O vírus monkeypox, causador da varíola dos macacos, avança pelo mundo e deixa um rastro de receios, dúvidas e equívocos.

O que diz a mídia

O vírus monkeypox, causador da varíola dos macacos, avança pelo mundo e deixa um rastro de receios, dúvidas e equívocos.

Os vírus que, como ele, pertencem ao gênero Orthopox são mais frequentes do que se imagina e alguns podem confundir o diagnóstico em países onde são endêmicos, caso da varíola bovina provocada pelo vírus Cantagalo no Brasil. Porém, nenhum tem a agressividade do que provocava a varíola humana (smallpox), erradicado em 1980.

O vírus chamado vaccinia bovina circula no Brasil há décadas e vez por outra infecta ordenhadores, provocando lesões nas mãos, afirma a virologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Clarissa Damaso, cujo Laboratório de Biologia Molecular de Vírus descobriu o Cantagalo em 1999.

Especialista em Orthopoxvirus e membro do Comitê Assessor para a Pesquisa da Varíola Humana da Organização Mundial de Saúde (OMS), Damaso afirma que uma coisa é certa: os vírus se aproveitam das oportunidades oferecidas por um planeta cada vez mais populoso e ambientalmente desequilibrado. O monkeypox é um lembrete. Ele pode ser contido, mas não será o último, alertam cientistas.

A seguir, pontos fundamentais sobre a doença: Ratos Para desgraça dos macacos, (“monkey” em inglês), o nome do vírus monkeypox alude ao animal no qual ele foi isolado. No caso, um macaco cinomolgo (Macaca fascicularis) usado para pesquisa na Dinamarca, em 1958. Os cinomolgos nem são da África, seu habitat natural é a Ásia. Hoje se suspeita que os principais hospedeiros do monkeypox sejam roedores silvestres africanos, ratos e esquilos das florestas ainda pouco conhecidos. O macaco pode ser infectado, mas, ao que tudo indica, não é ele o principal hospedeiro.

Vacas brasileiras

A vaccinia bovina é causada por vírus vaccinia, como os usados na formulação original da vacina que erradicou a varíola humana. O grupo de Clarissa Damaso isolou o Cantagalo, uma cepa do vaccinia, pela primeira vez em 1999 no município homônimo do Rio de Janeiro, e desde então ele tem sido encontrado em todas as regiões do país. A vaccinia bovina pode infectar seres humanos que têm contato muito próximo com as vacas, quase sempre ordenhadores. Causa lesões localizadas, em geral nas mãos. E uma doença negligenciada. Portanto, ninguém sabe quantos casos ocorrem por ano no Brasil. Antes de Cristo, surto fora da África é novidade, mas o vírus monkeypox é antigo. Ele emergiu há cerca de 3 .500 anos, segundo estudos.

Diferenças

Todos os Orthopox causam lesões na pele. A varíola humana e a do monkeypox afetam o corpo todo, a humana com muito mais agressividade. Cowpox e vaccinia, porém, causam lesões localizadas, quase sempre nas mãos. No entanto, devido à semelhança das lesões, há risco de confusão de diagnóstico.

Sexo e transmissão

O vírus é transmitido por meio do contato próximo da pele e das mucosas com as vesículas, pústulas e crostas. Até o momento, não foi demonstrada a presença de vírus no sêmen, como ocorre com HIV, mas está nas lesões na pele de um indivíduo infectado. Se o parceiro tiver qualquer microabrasão na pele e/ ou mucosas, pode ser infectado por um simples beijo. E até pela roupa de cama. Grande parte dos casos é de homens que fazem sexo com homens. Mas o número preciso não foi divulgado. Não por questão de transmissão sexual, mas de contato. Contato de pele. Não há preferência por determinada população. Todos têm que ter cuidado. Também pode ser transmitido por meio de secreções respiratórias por gotícuias grandes, quando se está a menos de um metro de uma pessoa infectada.

Vacina

Existem quatro vacinas contra a varíola humana licenciadas no exterior e recomendadas pela OMS. Elas são baseadas em plataformas com vírus vaccinia e foram desenvolvidas para proteger pesquisadores e militares que vão para área de conflito, já que o vírus da varíola é considerado uma arma biológica. Todas protegem contra monkeypox porque existe proteção cruzada para os vírus do gênero Orthopox.

Imunizou contra um, protegeu contra todos, o que inclui varíola humana (smallpox), monkeypox, vaccinia e cowpox. Damaso destaca que uma das quatro vacinas contra a varíola humana foi aprovada contra o monkeypox, a Jynneos. Há ainda outras 11 vacinas em desenvolvimento.

Imunização

Damaso diz que não faz sentido vacinar todo mundo. A vacina deve ser reservada a pessoas próximas de infectados, pesquisadores e profissionais de saúde em risco de contato direto com monkeypox. O Brasil não dispõe de estoque de vacinas, nem mesmo para os pesquisadores que trabalham com o vírus. No entanto, segundo ela, é questão de se interessar e comprar, caso necessário.

Contenção

Há várias opções eficazes de tratamento, além da vacina. E possível conter o surto, afirma Damaso. Há dois antivirais licenciados (Tecovirimat e Brincidofivir) e um imunobiológico. Além disso, a varíola de macaco raramente se torna grave e, com o tratamento dos sintomas, ela se resolve sozinha.

Força-tarefa

A UFRJ montou uma forçatarefa contra a varíola dos macacos. Numa ação conjunta, os laboratórios de Biologia Molecular de Vírus e de Virologia Molecular farão o diagnóstico de amostras de casos suspeitos enviados pelo Ministério da Saúde, com testes aceitos pela OMS. Não existe kit comercial para monkeypox. O diagnóstico fica pronto em cerca de uma semana. O recém-criado Núcleo de Enffentamento e Estudos em Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes (NEEDIER) vai estabelecer a logística de acolhimento, triagem, diagnóstico e orientação de casos suspeitos e contactantes; e estruturar o sistema de vigilânciagenômica.

Janela de oportunidade

Quando a varíola humana foi declarada erradicada pela OMS, em 1980, e o mundo deixou se vacinar, os parentes do vírus da varíola que circulavam praticamente apenas em animais tiveram uma janela de oportunidade para se espalhar. Isso porque pessoas nascidas após o fim da erradicação não foram vacinadas e, logo, não estão mais sob o escudo da proteção cruzada. A janela virou um portão escancarado com a destruição de florestas e a intensificação do contato de pessoas com animais silvestres.

Evolução

Estudos mostram que está havendo uma evolução do vírus na África e uma adaptação do monkeypox à espécie humana. Um sinal de que o vírus está se adaptando é a mudança da chamada taxa de ataque secundário. Ela era de dois nos anos 1970. Ou seja, uma pessoa passava para outra e daí a doença não avançava. Hoje, a taxa está em seis.

Fonte: O Globo