Cine Debate da APM aborda o filme Como Água para Chocolate

O Cine Debate da Associação Paulista de Medicina teve discussão sobre o filme mexicano “Como Água para Chocolate”, de 1992, dirigido por Alfonso Arau, na noite da última sexta-feira, 13 de maio, em transmissão via YouTube. O evento, coordenado por Wimer Bottura Junior, psiquiatra e psicoterapeuta, teve como debatedores o psiquiatra Ezequiel Gordon e o escritor, roteirista e crítico de cinema brasileiro Renzo Rinaldo Mora.

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O Cine Debate da Associação Paulista de Medicina teve discussão sobre o filme mexicano “Como Água para Chocolate”, de 1992, dirigido por Alfonso Arau, na noite da última sexta-feira, 13 de maio, em transmissão via YouTube. O evento, coordenado por Wimer Bottura Junior, psiquiatra e psicoterapeuta, teve como debatedores o psiquiatra Ezequiel Gordon e o escritor, roteirista e crítico de cinema brasileiro Renzo Rinaldo Mora.

Escrito e baseado no romance homônimo da autora Laura Esquivel, boa parte da história se passa na cozinha. Tita (Lumi Cavazos) nasceu em uma das mesas grandes da casa da família. A sua mãe Elena (Regina Torné) sentiu dores enquanto picava cebolas. Logo em seguida, seu pai morreu de um ataque cardíaco ao ter sua paternidade questionada.

“É uma película que traz o conflito entre a tradição e a individualidade. Para manter a tradição, que basicamente é para se proteger de alguma coisa, na verdade, isso destrói as pessoas. Entendo que a mãe, com todo seu sentimento de culpa, torna-se uma mulher forte e rígida, mas que culpava e desqualificava a Tita sistematicamente”, iniciou Bottura.

Perspectivas

Gordon discorre sobre itens temáticos observados durante a leitura do filme. O primeiro deles diz respeito às fronteiras entre água e chocolate, ciência e sabedoria popular, dos Estados Unidos e México. “Não é à toa que o rancho da família está localizado na fronteira com o estado norte-americano”, ressalta.

Tita se apaixona por Pedro Muzquiz (Marco Leonardi), que corresponde e quer se casar com ela. A mãe da moça, porém, proíbe o casamento, e sugere que ele se case com Rosaura (Yareli Arizmendi), a irmã dois anos mais velha de Tita. O rapaz aceita, pois esta é a única maneira de se manter perto da amada. “A questão do determinismo é outro ponto. Pode se escapar de um destino traçado? A Tita criada na cozinha não se casará, cuidará da mãe até a morte, será que ela escapará?”, questiona o debatedor.

O psiquiatra também aponta as perspectivas dos acontecimentos. “As coisas acontecem de dentro para fora ou de fora para dentro? A Tita chorava dentro da barriga da mãe enquanto ela picava cebola, então seu choro se origina da cebola picada de fora para dentro. O olhar ardente de Pedro e o leite dos virginais seios de Tita, ou seja, o olhar ardente de Pedro faz com que os seios de Tita brotassem leite para alimentar seu filho.”

A preparação do alimento mostra, segundo Ezequiel Gordon, que Tita faz de acordo com a sua emoção. “O corpo dela está dentro da comida, as lágrimas que escorrem quando está muito triste, o sangue da ferida que tem quando recebe as rosas de Pedro, entre outros episódios.”

Mistura-se aos ingredientes a narrativa fantástica, de fantasia, de um realismo irreal, louco e alucinado. Projeções e identificações, submissão e desqualificação, cognição e afetos. “O amor entre Pedro e Tita foi determinado no momento que acendeu todos os fogos e encontrou neste esplendor um renascimento para outra vida, e o retorno ao divino de alguma maneira”, resume.

Reflexões

Renzo Mora reforça a reflexão de a narrativa do filme ser feminina. “A autora Laura Esquivel, não por coincidência, é esposa do diretor Alfonso Arau, o que explica a capacidade de ele impregnar a visão feminina. Os personagens masculinos são apenas escadas para os femininos, que dominam a narrativa.”

“Como Água para Chocolate” fala sobre a sublimação, segundo o especialista: “Tita sublima o amor pecaminoso, já que Pedro é casado com a irmã dela. Ela sublima o amor por meio da gastronomia, a história lembra um pouco a da Cinderela. O feminino e a gastronomia dominam a narrativa. É interessante porque, a partir do nome água e chocolate, no pequeno México, ao contrário dos Estados Unidos e do Brasil, o chocolate é feito com água, e não com leite. E existe um ditado tipicamente mexicano que diz que quando uma pessoa está como água para chocolate significa que está muito excitada sexualmente, o que justifica o nome do filme”.

Sobre a relação de crítica e ódio da mãe (Elena) para a filha (Tita), o roteirista aponta dois possíveis caminhos. “Provavelmente, ela culpa Tita pela morte do marido. Quando fica sabendo que a filha não é dele, tem um ataque cardíaco e morre. Sob outra perspectiva, talvez a Tita lembre o mulato, o amante dela.”

Ao contrário de Gordon, Mora acredita que a narrativa pune Tita pela liberdade sexual. “A cena final, na qual os dois amantes pegam o fogo, alguns críticos entendem como punição à liberdade sexual de Tita. Levam a dizer que o filme e o livro que o origina é um romance masoquista antiquado, combinado com realismo mágico, escola da Laura Esquivel. E a comida é a pulsão sexual, um elo de comunicação erótica entre Tita e Pedro”, afirma.

Debate

Bottura, em suas considerações, fala que, embora a figura feminina seja resiliente e forte durante a narrativa, no subtexto mostra a mulher sendo destruída por não ter direitos. “Uma que casa com Pedro e não teve direito de escolha. A Tita, enredada em uma família, mesmo querendo mudar, é trazida de volta para aquele sistema, ela não tinha coragem de romper e era perseguida pela mãe. Mostra como é a construção da loucura em uma pessoa, porque ela enlouqueceu em dado momento. A irmã repete o padrão da mãe, não percebendo a infelicidade da Tita. A tradição, neste aspecto, vira um rolo compressor criado para proteger, mas destrói a individualidade. E o poder da mulher é retratado na cozinha. As pessoas podem passar mal, se apaixonar, ter sensualidade ou erotismo aflorado, de acordo com o que Tita está sentindo”, conclui.